HORS CONCOURS – IFMG OURO BRANCO – CONTO – ESPECIAL OURO BRANCO – PROSA ESTUDANTIL – INTERMEDIÁRIO – VIII Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"
Capela Ensanguentada
A estrada de terra que levava à Capela de Nossa Senhora do Rosário era estreita, esburacada e mal iluminada pelo farol do carro de Lívia. Larissa segurava o mapa com força, observando os contornos da Serra de Ouro Branco contra o céu noturno.
— Tem certeza que é aqui? — Lívia esticou o pescoço para ver a placa quase apagada à beira da estrada. "Capela N.S. Rosário – 2km (Trilha à direita)".
— Segundo os registros, sim. Foi construída por escravos em 1756. Dizem que os mortos ainda assinam as paredes.
Lívia arregalou os olhos, mas Larissa riu, mostrando o gravador.
— Relaxa, é só folclore. Vamos gravar, documentar e voltar antes das três. Seu TCC sobre tradições orais agradece.
O carro parou onde a estrada acabava. Seguiram a pé pela trilha, iluminadas apenas pelo celular, até avistarem a capela minúscula, do tamanho de um quarto de solteiro grande, encravada no topo da serra. Ao lado, um gerador de energia abandonado zumbia fraco, sua luz amarela piscando como um olho cansado.
A porta de madeira rangeu quando Larissa a empurrou. O interior cheirava a mofo, cera e algo mais profundo — carne velha.
A capela era tão pequena que as paredes pareciam se fechar ao redor delas. O altar, desgastado, sustentava uma imagem de Nossa Senhora com o rosto quase apagado pelo tempo. Larissa acendeu três velas, enquanto Lívia montava a câmera.
— Tá vendo isso? — Lívia apontou para as marcas no reboco. Não eram rachaduras normais. Pareciam letras arranhadas:
"M P… F… 1789"
— Manoel Pereira, talvez. Tinha um escravo com esse nome nos registros — Larissa anotou no caderno, mas sua mão tremia.
O vento lá fora aumentou, batendo as portas do gerador com um baque metálico. Lívia olhou para o relógio.
— 23:58. Quer mesmo fazer isso?
Larissa ajustou o gravador.
— É só uma oração ao contrário. Nada vai acontecer.
Ela começou:
— "Morte a após vida a… pecado do do perdão…"
A vela mais próxima apagou.
Quando Larissa terminou, um silêncio pesado encheu a capela. Até o gerador parou de zumbir.
Então, as paredes sussurraram.
— Liberte-nos…
Era uma voz de muitos, saindo do reboco, do chão, do próprio ar. Lívia agarrou o braço de Larissa.
— Isso não era vento.
A câmera, ainda gravando, captou o que elas não viam: sombras se desprendendo das paredes, alongando-se em direção ao centro da capela. Na tela, uma figura alta surgia atrás delas — olhos brancos, mãos ossudas.
Lívia correu para a porta. Trancada.
— MERDA!
Algo quente escorreu pelo teto, pingando no ombro de Larissa. Era sangue, fresco e escuro.
As velas restantes se apagaram.
No escuro, o sussurro veio de novo, agora em uníssono:
— A casa consome.
O padre Henrique encontrou os pertences na manhã seguinte: a câmera (com a bateria inexplicavelmente gasta), o caderno de Larissa (com uma página rasgada onde se lia "eles estão no reboco") e o gravador.
Quando pressionou "play", ouviu:
1. A oração ao contrário.
2. Gritos.
3. Algo sendo arrastado.
4. Por fim, vozes cantando em latim, como uma missa dos mortos.
Ele olhou para a parede ao lado do altar. O reboco estava fresco, ainda úmido, como se tivesse sido refeito às pressas.
E quando encostou a mão, sentiu movimento por trás.
Algo respirava ali.
Algo faminto.
Comentários
Postar um comentário