A metamorfose do vazio
Eu não sei se foi a influência da virada do século, a criação antiquada e longe de acesso à eletrônicos, ou o fato de eu ter nascido a tríade perfeita dos signos de terra, mas a minha sensibilidade aos detalhes da vida que nos tornam eternos seres em evolução, cresceu junto comigo ao longo dos anos.
Algo que me chamou atenção para esse assunto, foi um dia em que passei pela mesa de um colega de trabalho, e nela havia um calendário de papel (desses que você ganha de brinde no mercado, nas casas de ração, ou em congressos). Nunca entendi o calendário em cima da mesa nos escritórios de grandes corporações. Eles investem em equipamentos, então você pode ver a data no seu computador, ou no seu celular. E fica ainda mais engraçado quando é uma pessoa que usa Smartwatch, sentada atrás de uma dessas mesas, porque o Smartwatch também consegue te dizer em que dia estamos.
É tudo mais do mesmo; eles compram um relógio que supostamente faz as funções do celular, compram celulares que fazem as funções dos computadores, e computadores onde eles podem guardar as informações, que só querem lembrar mais tarde.
Mas o que me intrigou é que esse calendário mostrava o mês de julho, e já estávamos em setembro.
Quando perguntei a esse colega de trabalho qual era o objetivo do calendário na mesa dele, considerando que não o usava, ele me disse: “Preenche o vazio do ambiente”.
E essa fala me levou a pensar se somos apenas isso. Acumuladores de espaços cheios de nada.
E se eu parasse para analisar somente os detalhes que ressaltam a solidão que as pessoas sentem, e parecem querer evitar a todo custo, no dia a dia? Qual seria o tamanho de um texto, que falasse sobre tudo isso?
Muito se fala sobre o ensino da vida em sociedade, mas não seria ainda mais importante ensinar as pessoas a viverem bem com seus vazios? Saber ser feliz consigo, conforme aprendem a serem felizes em seus círculos sociais?
Nesse mesmo dia, reparei que um restaurante onde eu tinha o hábito de almoçar, tinha música ambiente. Não que me incomodasse, até porque demorei a notar, mas me fez lembrar de um artigo que li em algum lugar, que falava sobre como chamavam esses instrumentais de “música para mobília”, pois foi inventada para preencher o vazio auditivo de lugares onde não há nada para ser dito.
Mas esse gênero musical só existe porque existiu um lugar onde poderia fazer parte. A arte só existe, pois havia um lugar onde pudesse ser criada. Se não houvesse calendários de papel, como sequer existiria a ideia de um digital?
Se toda ideia for originada do vazio, e da necessidade de preencher algo, a perspectiva pessimista então é capaz de ser abandonada. Talvez as pessoas mais felizes sejam as que
aprenderam a aceitar o que falta em si, ou as que transmutaram essa energia em algo completamente novo. Seja arte, tecnologia, gastronomia, ou até mesmo um modo de viver.
Para os astrônomos, o vazio são os filamentos que possuem poucas, ou nenhuma galáxia. Para os arquitetos, são os locais com ausência de construções. Na minha visão, o vazio é uma, senão a mais importante, das razões pela qual a humanidade consegue se desenvolver.
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