5° LUGAR – CONTO – PROSA INTERNACIONAL – VIII Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"

calo


Maria Clara Arantes
Lisboa/Portugal

    amor é tudo que não é tudo. é tudo que não é um todo. falo que o amor é uma atenção, arpão delicado que penetra o dentro da coisa, ou o mais periférico do visível. no barco de sebastião é a cor lavanda na longitude do peixe de não desistir, e é o mar, que aí não é mais mar de se perder no escuro, mas mar de acalento azul, que traz brisa de ninar homem adulto. amor é injeção na medula óssea com inocência de agulha na pele tesa da palma da mão em brincadeira visceral de criança. atravessa contundente e remove epidermes em ebulição de caligem e escancara a nudeza de mulher provocante que se despe de corpo em alma de anjo sem sexo. o amor catalisa-o e no dentro se encontra o amor. é colocar o amor no dentro mais dentro do íntimo e de tanto amor se doar um pouco para desvelar descoberta fúlgida nas coisas . se revela em outra carne, para o dentro de veias alheias, no recôndito de um alvéolo qualquer, no mais ácido da bile, um cisto pequeno e brilhoso como luz de candeeiro distante, e esse câncer provocante é ali coisa sem função, inutensílio de morada universal, que habita em humano como verbo e em objeto e planta como substantivo. o que aí se encontra se afasta da linguagem ou a torna abstração de significar amor. é singular e é perene, em formas disformes na deformação de cada um. se incute de beleza e é puro por sua sujidade que é o complexo de entender. e o mais objetivo que se pode dizer é que é o mundo dos outros visto - ou um cantinho do mundo - em que passeamos. ali há uma vela, grande qual montanha, e seu calor é como brisa de mormaço do verão. qual descobridor de uma só grande revelação, vagueia-se em observação de terras tantas, e todas são promessas de beleza, mas a iracema prometida é mulher de se revelar à sua maneira, sempre igual e sempre diferente, porque é universal em corações de diferir visão. visão de ver com a alma o visor que revela outra alma e outras tripas. é amor de expedição arqueológica para mãos mansas de encontrar deusas adormecidas, sedentas de descoberta, o amor que quer se ver em dedos de acarinhar mitologias de quimera, metade homem, metade fogo a arder contradições e inocência de criança, metade beleza de dar e metade beleza de ser beleza por se ser. se encontra o se ser, se vê o se ser depois em outros se ser, que o são em castidade por não saber que se é. se olha para humano e se olha para planta, pedra, tijolo, chuva, andorinha, e aí tudo tem amor, porque tudo tem um recôndito de cisto, que prospera em metástase, come a carne, pra ser só amor que dá e amor que pede.

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