4° LUGAR – CRÔNICA – PROSA NACIONAL – VIII Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"

  Um Chato GPT


Manoel Ildefonso Paz Landim
Jales/SP

O amor da minha vida, amigos para sempre e qualquer outra jura de eternidade  são iguais às paixões de carnaval: Não alcançam a quarta-feira de cinzas. E essa certeza  vem de casa. Minha filha acabou o ano apaixonada pelo Bruno Mars, mas desistiu do  moço e já engatou sua mais nova ligação eterna. Mal começaram as aulas e tá caidinha  pelo chatGPT.  

A mãe não vê problema, mas eu fico igual à Rita Lee reclamando do tal Roquenrol.  A garota está dependendo dele pra tudo e tô vendo o negócio ficar sério. Foi ele quem  escolheu o roteiro da nossa viagem de férias, a trilha sonora do carro e tomou meu lugar  na ajuda com a lição de casa! Mas, o nocaute veio quando ela me mostrou a redação  (maravilhosa e em inglês!) feita pelo camarada. Tinha impressões, comparações e um  desfecho invejável para os quinze anos de experiência da minha princesa. 

Já escrevi textos fingindo ser outra pessoa, crônicas por encomenda, críticas de  filme sem ter assistido inteiro e até compus a marchinha de carnaval do meu bloco em  88, mas não saberia agradar uma garota da idade dela como o chatinho consegue. Meu  desafio começa nas limitações de gênero. 

Nem minha maior flexibilidade e um caminhão de balas de menta permitiriam  beijar as bocas adolescentes soltas por aí. Então não poderia falar de namoro, ficadas e  daquele resto do qual prefiro não saber. Ela já se tocou. Sabe do meu ciúme e  desaprovação à essa união e daí vem o perigo. Adolescentes adoram amores impossíveis  desde Romeu e Julieta. A proibição funciona como cola para o agarra-agarra.  

Sou obrigado a reconhecer a existência de afinidades e gostos comuns entre eles.  O celular é o elemento chave, o cimento da relação, por isso pretendo explorar essa  fraqueza na composição da minha estratégia. Eu só não imaginava receber essa ajuda  impensável e inesperada para minha luta. A escola adotou uma espécie de pochete-cofre  para tirar o aparelhinho das mãos dela durante as aulas, enquanto a lei não vem. Se a nova  regra tiver sucesso vou beijar os pés dos diretores. Eles contribuirão com a natureza e 

ajudarão meu ciúme de pai. O importante é a chance oferecida para ela desenvolver seu  estilo próprio, a sua marca pessoal, vendo o universo pelos próprios olhos e não pelos  registros da tela.  

E eu, ganho minha filhota de novo, sem competir com aquele sujeitinho. Mas não  vou confessar isso a ela e nem a ninguém. Do meu egoísmo eu mesmo cuido.


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