Do desprezo e da ânsia da carne
nesse vazio que me habita
para dentro de órgãos, tripas, ossos
no âmago mais profundo, inacessível
corre algo de imaterial
um fio de ouro
ou de algo que outra coisa
matéria presente em outro mundo
de constituição alienígena, amórfica
desprezível, apelativa, expansiva, irredutível, inebriante
essa presença
de quase nada,
um frescor meridional sentido no escaldar do deserto,
a inalação única de uma cidade inteira em chamas,
sai de dentro de mim,
por um único poro, um corte de agulha no dedo
encontra o externo, o ar,
sufoca de inadequação
percorre o tudo do mundo
se embaralha no concreto, no cimento, no carbono, no oxigênio
paralisa no canto mais intricado
resoluta, urgente
entra súbito e violentamente
o fio penetra a carne da unha, em outro sangue
desliza em cadência lenta, em carne tenra, como se sempre ensinada para aquelas veias
já antes tão diminuto
agora se desinibe, se multiplica
torna-se tumor alastrado, reprodução parasita
e ali permanece em condição de corpo análogo
de emaranhado anónimo que se sublima no vaivém de dois âmagos presos pela
inconsistência de uma dentro das tripas interminável
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