3° LUGAR – CRÔNICA – PROSA NACIONAL – VIII Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"

  Cotidianidade interiorana


Thalia Gonçalves
Mariana/MG

Eu sou uma pessoa com alma interiorana. 

Essa frase descreve a minha conexão com cidadezinhas do interior. Mais  do que apreço, sinto que pertenço genuinamente a esses lugares. E não apenas por ter nascido, crescido e ainda morar em um deles, mas por sentir uma paz e  tranquilidade que somente esses locais assim conferem à minha alma e mente,  sempre agitadas. 

É bucólico, mas também aconchego. Sentar em uma praça, às nove da  manhã, e observar alguém lendo o jornal. Ao meio-dia, enquanto as crianças  correm felizes durante o intervalo entre os turnos escolares, ou às cinco da tarde,  quando os primeiros grupos já se reúnem para uma cerveja após mais um dia  desgastante no trabalho. É a serenidade de dividir o mesmo espaço com gente,  pombos, cachorros e pássaros antes de voltar para casa. É a cena que vejo e  revejo cotidianamente e que ganha cores e intensidades diferentes de acordo a  previsão do tempo. 

Enquanto os meus pés disparam apressadamente pelas ruas de  paralelepípedos em direção ao centro, a vida acontece, dia após dia, de forma  similar e comovente. As cenas se repetem: é o “Caçador” — apelido que adotei  do filho de uma amiga — que organiza os carros nas ladeiras estreitas e faz mais  pelo trânsito do que a Guarda Municipal. Sempre que me encontra, diz: “boa  tarde, professora! Bom descanso”. Eu não sou professora, mas também não  tenho coragem de corrigi-lo. A precisão sobre a minha profissão é menos  importante diante de sua delicadeza. Os dias em que ele não aparece, o trânsito  costuma ser um pouco mais caótico. 

É saber que encontrarei, praticamente, as mesmas pessoas pelo meu  caminho: a minha amiga buscando o filho na escolinha; a moça de cabelos  longos e fones de ouvido que exala confiança enquanto volta para casa; os  funcionários deixando o museu na esquina e o pequeno grupo reunido em frente  à Catedral. 

Ainda que ande tropeçando pelo tempo, checando o visor do celular e  presa nas minhas inquietações, os segundos que contemplo o que há em meu  redor são reconfortantes: o sol, que se preparando para se pôr, confere às 

construções históricas tons de ouro, igual àquele que um dia coroou o Ribeirão  do Carmo. Até mesmo os dias chuvosos e cinzas são de uma beleza ímpar. É  poesia materializada para além dos versos. 

Os meus pensamentos dançam pelo ar em devaneio. Os meus olhos  saltam da revoada de pombos na Praça da Sé para o relógio: faltam cinco  minutos para o meu ônibus partir e cerca de 300m até chegar ao ponto. Acelero  o passo, mas não sem antes admirar, uma última vez, as imagens ao meu redor.  E constato: a minha alma é mesmo interiorana. 

Gosto dessa sensação de saber que pertenço a algum lugar e que esse  lugar também pertence a mim. É um alento para os momentos em que a  sensação de ser Alice no país das maravilhas me aflige, pois sei que,  independentemente do caminho que seguir, sempre terei o interior. 

Aos cosmopolitas, nada contra. Tenho até amigos que são.


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