Cotidianidade interiorana
Eu sou uma pessoa com alma interiorana.
Essa frase descreve a minha conexão com cidadezinhas do interior. Mais do que apreço, sinto que pertenço genuinamente a esses lugares. E não apenas por ter nascido, crescido e ainda morar em um deles, mas por sentir uma paz e tranquilidade que somente esses locais assim conferem à minha alma e mente, sempre agitadas.
É bucólico, mas também aconchego. Sentar em uma praça, às nove da manhã, e observar alguém lendo o jornal. Ao meio-dia, enquanto as crianças correm felizes durante o intervalo entre os turnos escolares, ou às cinco da tarde, quando os primeiros grupos já se reúnem para uma cerveja após mais um dia desgastante no trabalho. É a serenidade de dividir o mesmo espaço com gente, pombos, cachorros e pássaros antes de voltar para casa. É a cena que vejo e revejo cotidianamente e que ganha cores e intensidades diferentes de acordo a previsão do tempo.
Enquanto os meus pés disparam apressadamente pelas ruas de paralelepípedos em direção ao centro, a vida acontece, dia após dia, de forma similar e comovente. As cenas se repetem: é o “Caçador” — apelido que adotei do filho de uma amiga — que organiza os carros nas ladeiras estreitas e faz mais pelo trânsito do que a Guarda Municipal. Sempre que me encontra, diz: “boa tarde, professora! Bom descanso”. Eu não sou professora, mas também não tenho coragem de corrigi-lo. A precisão sobre a minha profissão é menos importante diante de sua delicadeza. Os dias em que ele não aparece, o trânsito costuma ser um pouco mais caótico.
É saber que encontrarei, praticamente, as mesmas pessoas pelo meu caminho: a minha amiga buscando o filho na escolinha; a moça de cabelos longos e fones de ouvido que exala confiança enquanto volta para casa; os funcionários deixando o museu na esquina e o pequeno grupo reunido em frente à Catedral.
Ainda que ande tropeçando pelo tempo, checando o visor do celular e presa nas minhas inquietações, os segundos que contemplo o que há em meu redor são reconfortantes: o sol, que se preparando para se pôr, confere às
construções históricas tons de ouro, igual àquele que um dia coroou o Ribeirão do Carmo. Até mesmo os dias chuvosos e cinzas são de uma beleza ímpar. É poesia materializada para além dos versos.
Os meus pensamentos dançam pelo ar em devaneio. Os meus olhos saltam da revoada de pombos na Praça da Sé para o relógio: faltam cinco minutos para o meu ônibus partir e cerca de 300m até chegar ao ponto. Acelero o passo, mas não sem antes admirar, uma última vez, as imagens ao meu redor. E constato: a minha alma é mesmo interiorana.
Gosto dessa sensação de saber que pertenço a algum lugar e que esse lugar também pertence a mim. É um alento para os momentos em que a sensação de ser Alice no país das maravilhas me aflige, pois sei que, independentemente do caminho que seguir, sempre terei o interior.
Aos cosmopolitas, nada contra. Tenho até amigos que são.
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