Soldados e migrantes italianos nas Américas
Alberto Arecchi
Vila Nova de Gaia/Portugal
No ano 1860, a chamada “façanha dos Mil”, sob o comando de Giuseppe Garibaldi, apoiada e favorecida por diversas potências europeias, inimigas do Império Austríaco, pôs fim com uma rápida campanha militar à existência do Reino Bourbon das Duas Sicílias (Sicília e Itália do Sul) que no ano seguinte foi agregado pelo Reino da Sardenha para dar origem ao Reino da Itália. Levantamentos populares insurgiram contra o novo governo. As feridas socioeconômicas causadas por esse empreendimento provocaram um rápido empobrecimento das regiões do Sul de Itália, com revoltas de ex soldados do Reino derrotado, apoiados por grupos de “bandidos”, e deram origem à “questão meridional”, que perdura até hoje. Entre as principais causas do banditismo pós-unificação podemos elencar: o agravamento das condições econômicas; a incompreensão e indiferença da nova classe dominante para com a população; o aumento dos impostos e dos preços dos bens de primeira necessidade; o agravamento da questão da propriedade estatal, devido ao oportunismo dos ricos proprietários de terras. O banditismo, segundo alguns, foi uma verdadeira guerra civil e foi sufocado com métodos brutais, o que gerou polêmicas entre os representantes liberais e políticos de alguns estados europeus.
Foram apenas vinte mil (dos 72 mil esperados) os jovens do Sul que compareceram ao primeiro alistamento militar do Reino da Itália, em 1861. O governo do novo Estado italiano decidiu então providenciar meios precipitados para resolver o problema, enviando unidades piemontesas do exército regular nas pequenas cidades do Sul. Foram sobretudo os mais valentes defensores dos últimos bastiões do Sul que pagaram o preço mais elevado. Eles foram deportados para campos de concentração no Piemonte, para torná-los inofensivos. As detenções e deportações de todos os homens com idades compreendidas entre os vinte e os vinte e cinco anos, em alguns casos até houve fuzilamentos sumários de rapazes analfabetos, que eram na maioria filhos de agricultores e desconheciam o apelo às armas, marcaram uma das páginas mais sombrias dos primeiros momentos do Reino da Itália. Alguns daqueles meninos conseguiram escapar do recrutamento que não aceitaram, embarcando em navios a vapor que partiam para o Novo Mundo e somando seu nome ao de muitos ex-soldados do reino Bourbon que estavam fugindo do recrutamento obrigatório.
Para 684 bravos soldados do Sul, o destino foi menos amargo, pelo menos no início. Graças à intermediação de Chatham Roberdeau Wheat, um official protagonista da guerra de independência americana juntamente com a brigada inglesa, os soldados tiveram a possibilidade de escolher o exílio na Luisiana e nos outros Estados do Velho Sul, para retomar uma nova vida na América.
Aqueles que então desembarcaram nas docas de Nova Orleans, vindos dos navios “Elizabeth”, “Olyphant”, “Utile”, “Charles & Jane”, “Washington” e “Franklin”, não foram simples trabalhadores dos campos da Luisiana. A causa separatista estava criando sementes fortes e virulentas, prestes a dar vida à secessão da Confederação Americana. A chegada à Luisiana, entre dezembro de 1860 e início de 1861, de homens que bem conheciam o uso das armas e que lutaram na guerra contra as tropas de Garibaldi, foi, portanto, vista com olhar interessado por aqueles que queriam criar uma força armada independente. Os ex-soldados Bourbon começaram uma nova vida, vestindo uniforme do Sul, com um rifle nos ombros. Eles se tornaram soldados da Confederação Americana. Mais uma vez rebeldes e mais uma vez do lado errado da história. Apesar de tudo, leais e corajosos, mesmo em terra desconhecida.
Nasceram assim o batalhão dos “Guardas italianos” e a “Legião Garibaldi” (logo renomeada Legião Italiana). No 10º Regimento de Infantaria da Luisiana, a 1ª Companhia era composta exclusivamente de ex-soldados sul-italianos. Os veteranos, durante o agravamento da guerra, foram gradualmente incluídos em quase todos os regimentos da Confederação. Eles prestaram um tributo considerável à causa do Sul, participando de todas as batalhas mais importantes do conflito. O 10º regimento, de 987 efetivos iniciais, rendeu-se com apenas 18 veteranos.
Conduta exemplar, a de soldados que já haviam sofrido a vergonha da derrota na Itália e que entre as fileiras adversárias também reconheceram vários inimigos que vestiram a casaca de Garibaldi. Após a queda de Nova Orleans, os sobreviventes dos batalhões formados por ex-Bourbon italianos foram enviados para Port Hudson, onde se distinguiram pela coragem e espírito de sacrifício: mais de um obtiveram reconhecimentos públicos. Para soldados que perdem uma guerra, de uma nação que deixou de existir, como aconteceu com a Confederação, não há medalha de valor militar para lembrar os seus feitos. Para Gian Battista Garibaldi, cujo próprio sobrenome inspira-se na ironia da história, a glória veio no momento do enterro. Nascido em Lavagna (Ligúria) em 1831, combatente com patente de sargento do 27º regimento da Virgínia, muito valente soldado da brigada de Stonewall, Gian Battista Garibaldi viveu até 1914 e foi sepultado no cemitério de Lexington, ao lado do General Lee e do General Jackson, para lembrar seu grande heroísmo. Uma história exemplar, a de Gian Battista, que escolheu servir a bandeira da Confederação contra tudo e todos, defensor convicto da liberdade e da independência e inimigo temível de todos os soldados da União. Como ele, outros ex-Bourbons mantiveram elevada a honra de sua terra, também conscientes das condições desumanas em que os sobreviventes eram mantidos prisioneiros no Piemonte. Seus nomes não receberam a honra de uma placa no campo de batalha de Gettysburg (o que aconteceu no exército do Norte, com os italianos da Guarda Garibaldi), mas permaneceram impressos na memória histórica da Luisiana, que coletou seus vestígios no santuário confederado local (Confederate Memorial Hall), recém-destruído pela fúria do furacão Katrina. — É com profundo respeito e sentido de honra que me dirijo a vocês. Quero expressar a minha sincera estima e gratidão pelo apoio e ajuda de todos os ex-soldados Bourbon que lutaram pela liberdade da nossa pátria durante a guerra de agressão do Norte. O amor à pátria, à liberdade e à independência foram os principais motivos daqueles valentes soldados que lutaram ao nosso lado há muitos anos. Os seus compatriotas lutaram com honra e distinguiram-se nos campos de batalha durante quatro longos anos para defender a nossa liberdade. Isto não foi esquecido e, com as palavras do General Lee: “Nunca os esqueceremos”.
O sacrifício dos ex-soldados Bourbon durante a guerra não foi esquecido. A história deles finalmente ressurgiu nos Estados Unidos. A história deles foi contada na convenção nacional da UDC, foi apresentada no encontro nacional do movimento neo-confederado em Houston e repetida na convenção dos descendentes dos veteranos confederados, onde será feita a lista de chamada de todos os seus compatriotas que lutaram conosco. Tenha orgulho de seu passado e de sua herança. Sua memória e seus sacrifícios estão conosco”. —
(Palavras ditas pela descendente do presidente dos Estados Confederados da América, Sra. Betty Russo, casada com um siciliano, descendente dos irmãos Russo, alistados nos “Italian Guards” confederados, que anteriormente tinham servido no exército das Duas Sicílias).
O governo piemontês da nova Itália teve que suster uma longa campanha de “pacificação” para derrotar os que chamava de “bandidos”, fora da lei. Após a luta, contra todas as leis militares, os prisioneiros não foram libertados. O governo queria relegar para lugares remotos a parte do povo do sul que se rebelara à nova ordem e sobrevivera aos fuzilamentos. Eles foram conduzidos das piores maneiras imagináveis, primeiro para as penitenciárias das pequenas ilhas, de onde era impossível escapar, em prisões duras (chamadas “disciplinares”, verdadeiros lugares de tortura), e depois muitos foram levados em navio até as costas da Ligúria, para seus últimos lugares de prisão, em lugares no norte, dos quais nunca mais voltaram. Só quem tivesse traído o juramento de lealdade ao rei das Duas Sicílias tinha esperança de se salvar, mas foram poucos, além daqueles altos graus militares que já se desdisseram. A miséria, resultante do fechamento de centros de produção, escolas e da pilhagem de terras, produziu em todo o território das Duas Sicílias uma pobreza insustentável, que obrigou a população a dirigir-se por caminhos diferentes: quem se opôs com a luta, quem no final se resignou fugindo, como os mais de vinte milhões de emigrantes para a América do Sul e para lugares mais remotos. Houve também quem procurava encontrar matéria prima humana para ser desmembrada impunemente, a fim de criar uma primeira teoria da divisão entre uma raça “superior” e outra “inferior”. Como desfiguração adicional, além dos sofridos dos corpos, foram negados os nomes dessas pobres vítimas; um adjetivo infame foi imposto a eles: ladrão, assassino, estuprador, falsário. O Museu de Antropologia Criminal de Turim, cujo fundador foi Cesare Lombroso, que deu nome a essa vergonhosa página da história, oferece uma mensagem racista sorrateira, apresentada como “científica”. A mensagem gira em torno das características dos sulistas que são apresentados, com métodos pseudocientíficos, como “criminosos”. Contra o “banditismo” do Sul, o reino de Sabóia desenvolveu um verdadeiro plano de deportação que acabou por fracassar. O documento mais antigo é um telegrama datado de 17/11/1862, enviado pelo embaixador piemontês em Lisboa, Della Minerva, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Durando. Fala-se de negociações entre Itália e Portugal para a venda de uma ilha em Moçambique ou Angola, com o objetivo de relegar ali “os bandidos”. Que considerações levaram o governo italiano a se voltar, em busca de um canto de terra estrangeira para deportação, em primeiro lugar para Portugal? A resposta deve ser identificada no vínculo parental estabelecido no mês de julho de 1862, na sequência do casamento entre a filha de Sabóia, Maria Pia, e Luís I de Bragança, rei de Portugal por apenas um ano. A casa Sabóia e sua comitiva queriam aproveitar aquela aliança dinástica para transformá-la numa aliança de prevaricação que, no entanto, suscitou repugnância e indignação no povo português. O projeto de uma colônia de deportação foi retomado em 1867 pelo então primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros, Luigi Federico Menabrea, afirmando que: “Os sulistas devem ser deportados para um lugar desabitado a milhares de quilômetros da Itália”. Menabrea se voltou também para os britânicos: queria uma área nas margens do Mar Vermelho para estabelecer uma grande colônia penal. O embaixador em Londres, D’Azeglio, respondeu: “Em relação à deportação, Stanley se reservou de dar uma resposta; mas quer que o projeto seja adiado para depois da guerra em Abissínia, caso contrário isso criaria complicações ao levantar os nativos contra os europeus”. Menabrea pretendia não desistir do projeto e decidiu vencer estradas fora da influência inglesa. Da África Oriental à América do Sul, o alvo era a Patagônia, limite ao sul do cone argentino, território que parece ser terra de ninguém. De fato, cerca de um ano depois, em 16 de setembro de 1868, ele confiou um despacho ao ministro Della Croce, que partia para Buenos Aires. Objetivo: obter a disponibilidade de uma área “nas regiões da América do Sul banhadas pelo Rio Negro, na fronteira entre a Argentina e as regiões desérticas da Patagônia”. Mas a Argentina se recusou. Então Menabrea contatou Luigi Pinna, cônsul geral em Túnis, na altura uma possessão otomana, para propor à Grande Porta de Istambul o estabelecimento de uma colônia prisional italiana na África. Mas recebeu mais uma recusa. Recordamos que, até 1885, nenhum país europeu possuía colônias de “ocupação efetiva” na África. Só então o imperialismo prussiano, com a Conferência de Berlim, promoveu a divisão daquele continente.
No mês de dezembro de 1868, Menabrea enviou um despacho ao Agente e Cônsul Geral da Itália em Túnis. Pela primeira vez apareceu o número muito alto de prisioneiros do Sul a serem deportados: pelo menos dez mil. A resposta do Bey foi negativa. Mas outra ideia - enviar um navio para explorar o mundo - tomou forma em sua mente. Depois de ter tentado obter uma ilha portuguesa no Pacífico, ou uma faixa de Moçambique ou Angola, a ilha de Socotorá no Oceano Índico, um canto da costa da Eritréia no Mar Vermelho, uma mancha de terra na remota Patagônia, um pedaço de areia no deserto da Tunísia, o olhar do chanceler voltou-se novamente para o Pacífico, para uma ilha dos Sete Mares: Bornéu. No ano de 1869, o Ministro Riboty informou: “Se a exploração em Bornéu e ilhas adjacentes ao N-E não der o resultado que promete, a única outra área interessante seria aquela no Leste da Austrália”. Olhar para o Pacífico, onde outros já ostentavam direitos de primogenitura, causou, porém, suspeitas e confrontos diplomáticos. O oceano era prerrogativa da Inglaterra, Estados Unidos, Holanda, Espanha, França: encontrar alguma terra ainda não colonizada apta para deportação era uma tarefa difícil, senão impossível. Enquanto isso, em 3 de maio de 1872, chegou ao ministro Visconti Venosta a resposta negativa da Inglaterra sobre a ilha de Socotorá. O governo britânico, em antecipação à abertura do Canal de Suez, preparava-se para dominar todo o Mar Vermelho.
O governo italiano, desde 1869, decidira confiar a um particular a tarefa de procurar uma colônia nas ilhas ao redor da Nova Guiné, para deportar pelo menos vinte mil prisioneiros. Mas a oposição britânica e holandesa aconselhou a desistir definitivamente de se estabelecer naquelas partes. A população das Duas Sicílias no entanto, para sobreviver aos fuzilamentos sumários, à pesada carga tributária, aos roubos, já havia iniciado o caminho da emigração, ou seja, da autodeportação. Enquanto o Estado italiano realizava ações coloniais diretas no continente africano, com a compra de desembarcadouros no Mar Vermelho (Colônia Eritréia, 1869-1872) e no Benádir (Somália, 1892) e com a desastrosa agressão na Abissínia (1896), a emigração de milhões de italianos, com suas famílias, para o continente americano (Brasil, Argentina, Estados Unidos) foi a resposta “autogerida” da população, em particular do povo do sul da Itália, à incapacidade do governo que deveria dirigir o novo Estado italiano para a integração e o desenvolvimento econômico e, em vez disso, trilhara o caminho da deportação em massa de todos os descontentos, que sua própria intervenção militar havia gerado em grande parte.
Alberto Arecchi, arquiteto italiano, mora em PAVIA, ITÁLIA (nem em Pávia, que não existe, nem em Vila Nova de Gaia)!!!!!
ResponderExcluirComo diz o ditado tradicional: Roma e Pavia não se fizeram em um dia.
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