1° LUGAR – CONTO – PROSA ESTUDANTIL – INTERMEDIÁRIO – E.E. Iracema de Almeida – VIII Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"

 Escrevedora


Geovanna Rodrigues Souza
3ª série do Ensino Médio

O dia amanheceu sereno, com um clima ameno e pouco sol, digno de outono. Fernanda  se põe de pé e toma uma ducha rápida, logo indo preparar seu café para sair de casa. Se  apronta e pega sua maleta, assim, sai em direção à avenida principal da cidade, não muito  longe dali. Não trabalhava em uma loja, nem empresa, muito menos escritório. Uma mesa  rústica, bem gasta, de madeira de pinho maciça de não muitos centímetros de área, e uma  cadeira, que há muitos anos fez conjunto a uma mesa de jantar eram o ambiente de  trabalho dela. Ficava na calçada, não muito longe do banco principal da cidade, e perto o  suficiente de uma pequena padaria de família e pequenas lojas manufatureiras. Todos os  dias, a mulher se guia para lá, descansa sua maleta na mesa, puxa a cadeira e se senta,  para arrumar seu cantinho. Tira papéis e caneta de dentro da pequena maleta, e coloca  uma placa pendurada na parte frontal da mesa, escrito: “Escrevo cartas e posto no correio.  Apenas R$2,00.”, com a palavra “carta” em destaque, assim como o preço. Mesmo que  seu público possa não saber ler ou escrever, a organização dos itens na mesa sugerem o  que a moça faz. Ainda é cedo, então Fernanda se ocupa organizando algumas cartas que  postaria nos próximos dias e preenchendo envelopes esboçados, assim, nem prestou  atenção no rapaz que se pôs à sua frente, que a encarava, interessado. 

– Bom dia, moça! – o homem se dirige a figura à sua frente, com semblante animado.  – Oh, ainda é cedo. Bom dia!  

– A senhora é... Como chama? Escrevedora? Escrevinhadora?  

– Escritora?  

– É! Isso mesmo. E a senhora escreve carta? 

– Sim, isso mesmo.  

– Tu escreve pra mim então uma carta pra mulher que amo? 

– Claro. Sente-se.  

O homem se senta no banquinho velho de cor amarelada, que um dia foi pintado de  branco. O moço, ligeiramente mais novo que Fernanda, a espera ansioso, enquanto ela  arruma o papel e testa a caneta. Ela, no entanto, sentiu certa felicidade ao perceber a  intenção do outro. “ O último romântico. “, pensa, ao tentar lembrar da última vez que  um homem veio escrever algo à mulher amada. Ergue o olhar ao outro, que não para de  bater os pés no chão. 

– Então? Pode falar.  

– Querida... Não, querida não. Meu amor, Fernanda... 

– Fernanda? Oh, meu nome também é Fernanda. 

– Sério? Deve ser o destino mesmo, num é? 

Ele abre um sorriso enorme. Ela ri de leve. 

– Sim. Pode continuar.  

– Tá. Meu amor, Fernanda. 

Meu amor, Fernanda. 

Você nem imagina a saudade que estou de você. Tanto tempo que não te vejo, sinto meu  peito doer de tanta vontade de te sentir de novo. Sentir teu cheiro... 

– Cheirar seu cangote...  

Ela sorri, sozinha, enquanto escreve. Está mudando levemente o que é dito para que a  leitura seja mais fácil, mas se encanta profundamente com as palavras e termos usados. E  assim, ele ficou lá por algum tempo. Alguns diriam que se passou bons minutos, mas foi  um texto tão confortante que os dois nem perceberam o tempo passar.  

– Um cheiro do seu e sempre seu, Teodoro.  

– E... Acabamos.  

– Cê consegue mandar também uma frô? E é pra esse endereço aqui. 

Ele a entrega um papel dobrado e uma flor seca, o que parece ter sido um dia uma flor de  laranjeira. Ela dobra o papel onde foi escrito a carta, coloca num envelope no padrão dos  correios, e coloca, sem olhar o conteúdo, o papel e a flor dentro também. O moço, então,  se despede e vai embora, agradecendo a moça pelo trabalho. Ela vê sua figura sumir, e  suspira ao lembrar de um namoradinho que teve na escola.  

Não lembrava seu nome, mas lembrava dele ser meigo, cuidadoso e ótimo em criar e  declamar poemas. Lembrou-se dos momentos juntos, em que juntavam as mãos ou se  abraçavam, assim, suspirando ao lembrar desses bons momentos. Pensava em como ele  estaria, se encontrou uma boa moça. Mas logo voltou à realidade quando outro cliente  chegou.  

– Bom dia, dona Fernanda.  

– Oh, Cláudio! Para Maria de Lurdes, de novo?  

– Sim. Acabei de encontrar um emprego na fábrica.  

– Que coisa boa, Cláudio. Sente-se e vamos escrever. Logo eu posto.  

– Maravilha. Então: Querida Maria, minha amada mãe. Caçando um emprego, eu fui lá  na fábrica mostrar minhas manhas e cê não acredita, consegui trabalho!  

E seguiu contando, animado. Com sua escrita ágil, logo o dia passou e ela logo arrumava  a mesa para ir embora. Andando de volta, repassou as cartas para enviar nos próximos 

dias e relembrou dos textos que escreveu, recordando do texto de Teodoro. Tinha quase a  sua idade, e continuava romântico. Sentia saudades de quando “xavecava”, quando  recebia declarações de amor e recebia afeto. Pensa em como seria se seu namoradinho  ainda estivesse com ela. Lembrou então da face do homem que viu logo quando chegou.  Olhos gentis, nariz largo, boca fina e rosto bem marcado, não parecia ter a idade que tem.  “Ele com certeza é um bom partido.”, pensa consigo, ficando vermelha logo em seguida. Quem era ela pra pensar no homem de outra daquela forma? Se repreendia mentalmente.  

Enfim chegou em casa, largou a maleta na mesa do seu quarto e foi inventar algo para  comer. Logo trocou de roupa e voltou ao trabalho. Se sentou na mesinha ao lado de sua  cama, e foi então preencher os envelopes, organizar os que já estavam preenchidos e  corrigir qualquer coisa. Não entendia o porquê, mas queria logo olhar o daquela figura  que a encantou. Procurou na papelada e rapidamente encontrou o envelope, abrindo-o e  verificando seu conteúdo.  

Separou na mesa o envelope junto ao papel dobrado que ele havia a entregado, a flor, e,  então, a carta. Correu os olhos pelo texto, sentindo o peito apertar. “Que amor suave”,  pensava, lembrando do seu amor da juventude. Se lembrou, no entanto, de uma carta que  recebera do seu antigo carinho, escrita por um amigo, assim ficando ansiosa em achá-la  e lembrar, então, do seu nome, e talvez buscar por seu endereço, provavelmente não mais  usado por ele. Se levantou com pressa e se virou para a escrivaninha logo atrás dela.  Fernanda vasculhou as gavetas, bateu os olhos em todo e qualquer papel, e nada.  Começou a suar frio. Onde, então, poderia estar? Foi ao armário ao lembrar de uma caixa  antiga, onde guardava tudo que considerava importante: cartinhas de amigos, poemas que  gostava, flores secas e tantas outras pequenas coisas. Vasculhou com cuidado, e  encontrou, ao fundo, uma carta, datada da época em que se encontrava com ele. Logo  abriu e começou a ler. O jeito amável que ela se lembra com tanto carinho está lá,  romântico e poético. Leu num piscar de olhos e sentiu-os marejarem. Ao chegar ao final,  leu a despedida e se espantou: 

– Um cheiro do seu e sempre seu, Teodoro. 

Repetiu em voz baixa, em choque. É exatamente a mesma despedida do Teodoro que  encontrou mais cedo. Daquele Teodoro que enviou uma carta de saudade para uma outra  Fernanda. Sua respiração pesou ao pensar na possibilidade de ser aquele que tanto amou  antes. Seria ele? Como o encontraria, então? Lembrou então do papel com o endereço  que ele havia passado a ela. Voltou à escrivaninha e abriu com pressa o pequeno pedaço  de papel.  

Nele, o mesmo endereço do remetente da carta estava escrito ali. Era mesmo aquele que  ela tanto amou. Teria de o encontrar novamente e entender porquê ele decidiu procurá-la,  e como conseguiu encontrá-la. 

Quando dava a hora de se levantar da cama, Fernanda já estava desperta. Não conseguiu  pregar os olhos de tanto pensar no que estava acontecendo. Tomou um banho demorado,  vestiu um bom vestido e comeu qualquer coisa rápido o suficiente para chegar uma hora 

antes do que costuma no seu local de trabalho. Correu com sua maleta pela avenida, e  logo se pôs na mesa, ansiosa. Ele viria novamente? Pensava sozinha, repetidamente. O  dono da padaria, que chegava, notou a inquietude da moça e falou: 

– O que te deixou assim, Nandinha?  

A moça quase deu um pulo, nem tinha percebido o mais velho.  

– Ah, seu Antônio, sabe o que é, um... É... Um amigo antigo... Um amigo antigo vem me  ver! Só isso. 

Disse a moça, com vergonha. O homem entendeu e riu da moça envergonhada.  

Passou meia hora. Nada. Seu horário começou. Nada. 2 horas, um cliente chegou, mas  não era ele. 2 horas e meia, nada, outro cliente. E o dia passava. E a hora de ir embora se  aproximava. E a moça murchava sozinha, pensando que nunca mais o encontraria, e que  ela foi burra demais por não abrir o papel de imediato. “Se eu fosse curiosa o suficiente  pra ter aberto na hora, eu não o perderia assim, droga.”, se repreendia sozinha. Enquanto  pensava, uma sombra no brilho do sol poente se fez na sua mesa. Ergueu o olhar e  encontrou aqueles olhos gentis que buscavam os seus. Seus olhos encheram de lágrimas  e seu rosto enrubesceu. Se pôs de pé e logo foi abraçar o seu, e somente seu, Teodoro.  

– Seu idiota. Eu quase não percebi que era você. Te esperei o dia todo. – Desculpa. Achei que você ia entender quando falei que tava com saudade da Fernanda.  

Eles se abraçavam e sorriam bobos um para o outro. O caso do tempo de escola voltou, e  o laço entre eles continuava forte.  

– Escrevedora, escreve outra carta pra mim.  

Receosa, pegou um papel e caneta, e esperou-o começar a falar, escrevendo todas as suas  palavras, sem mudar nenhuma vírgula.  

Fernanda, 

Se me permite, gostaria de fazer algo que não consegui fazer antes. Quero que seja a  moça mais feliz do Brasil, e que fique comigo para todo o sempre. 

Ela, nervosa, parou de escrever quando o outro levantou seu rosto com uma das mãos, a  fazendo olhar para ele.  

– Casa comigo?


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