Dias de chuva
Maria José Fernandes de Castro Malheiro
Vila Nova de Cerveira/Portugal
Nos dias chuvosos, quando não tenho obrigações, gosto de ficar em casa, aconchegada, deitada na cama ou no sofá, a ouvir a melodia da chuva e a navegar em cada pensamento que me atropela a alma, em cada sensação ou insight, penso muito na minha condição como ser humano, o animal pensante, que sempre será um mistério para si próprio, que vive a sua própria realidade, diferente da realidade real sem interpretações e, muitas vezes, alheio às realidades dos outros. O ser humano que age por instinto, que, por vezes, é o medo que dita as suas atitudes, sem que ele as entenda, pois torna-se difícil no meio das obrigações despir-se de tudo e olhar para si próprio, sem vendas sociais. Para nos conhecermos a nós mesmos é essencial entender-se e estar recetivo às realidades dos outros, só conhecemos alguém verdadeiramente quando partilhamos nossas realidades e aprendemos a ser empáticos e a colocar-nos no lugar do outro, talvez o mais difícil no nosso quotidiano seja mesmo o relacionamento interpessoal, nos seus vários meios, como o laboral, cada vez mais as pessoas esquecem a genuinidade e a transparência, quem é simultaneamente a mesma pessoa quando está sozinho e quando está numa multidão?
Tudo são associações, o nosso cérebro funciona mesmo segundo associações, as quais devemos constantemente desconstruir, para não agirmos inconscientemente seguindo padrões assimilados, devemos ir além da tentativa e erro, percebermos que cada situação, cada pessoa é única e, portanto, merece um comportamento da nossa parte único, é muito difícil desmontar o nosso cérebro, sempre seremos para nós mesmos uma incógnita, tudo é uma grande incógnita, é como se vivêssemos adormecidos num sítio misterioso, no qual nos sentimos muitas vezes estrangeiros.
Vivíamos tranquilamente no útero da nossa mãe e, de repente, despertamos num mundo desconhecido, não sei quanto a vós, mas para mim, o mundo continua a ser desconhecido, conhecemos a composição do planeta e evoluímos constantemente na compreensão do universo, mas se pensarmos bem, tudo continua a ser um mistério formado por matéria e anti-matéria, como não vamos ser um mistério para nós próprios, se somos milésimas de segundo impregnadas de sentimentos e pensamentos? Cada um com um mundo tão próprio e característico, mas, no entanto sentimos a necessidade de sermos todos iguais, do sentimento de pertença a um grupo, à humanidade, ao sistema solar e ao indefinido. E vivemos divididos entre esse sentimento de pertença e o sentimento de ser um estrangeiro.
Uma vez li que entre eu e o outro há um abismo intransponível, fiquei com essa ideia na memória, mas a verdade é que não o considero intransponível, quando as realidades se cruzam, quando captamos um pouco da realidade do outro e ele a nossa, há uma troca inesquecível, mas, claro, se somos um mistério para nós próprios, também os outros são para nós, poderemos conhecer verdadeiramente alguém, sabendo que estamos em constante evolução? Há quem diga que as pessoas não mudam, eu penso que sim, que evoluímos, mas talvez muitos, diante de algumas situações, sigam padrões e isso transmita a ideia de que não mudam, por isso procuro sempre desconstruir, mas é difícil, é mais fácil permanecermos numa zona “conhecida”, confortáveis, do que entendermos o que nos move. Entendi que o que move mais o ser humano é a necessidade e o sentimento. Por vezes, a necessidade faz-nos perder os nossos sonhos, vivemos na praticabilidade e esquecemos os dias chuvosos em que pensamos e divagamos e compreendemos que tudo, mesmo tudo, depende da perspetiva, que não há uma realidade, mas triliões de realidades e indefinidas possibilidades...
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