Com meias palavras
Diogo Tadeu Silveira
Oliveira/MG
As coisas, bem como as pessoas, eventualmente encontram sua cara metade. Quando isso acontece, as palavras que as nomeiam também podem se juntar. Aconteceu, por exemplo, quando alguém quis confeccionar um par de calçados que fosse ao mesmo tempo formal e casual. Pega um sapato, apanha um tênis, corta daqui, cola dali, tira uma letra, prega uma parte na outra e pronto: eis uma coisa nova e um novo termo, o sapatênis. Ocorreu algo similar quando duas roupas de cama diferentes foram unidas. Costura de um lado, vira do outro, corta umas sílabas, junta as sobras e está criado o coberdom.
Tem coisas e palavras que parecem mesmo feitas umas para as outras, basta aparecer um cupido para uni-las. Uma pessoa teve a boa ideia de construir uma lombada que servisse simultaneamente como redutor de velocidade de veículos e travessia segura de pedestres. Surgiu, então, a benéfica lombafaixa. Alguém colocou objetos em um saco de pano e amarrou nele um cordão que funcionasse como alças para carregar nas costas. Lançou, assim, um novo produto, a sacochila. Uma bicicleta foi adaptada para transportar dois, três ou mais passageiros mediante pagamento de tarifa. Estava criado um inovador meio de transporte, a bicicletáxi. Novas palavras, grandes negócios.
Às vezes, porém, a fusão de dois termos resulta em expressões depreciativas. É o que acontece quando torcedores de políticos adversários juntam vocábulos para se xingarem de militontos e patriotários. Uns atacam os membros de uma familícia, entre eles um embaixapeiro. Outros atacam um partido de petralhas liderado por um presidentiário. Meias palavras unidas, criatividade e hostilidade também.
Fora do âmbito político também existem palavras aglutinadas com sentido pejorativo. Sabe aquelas pessoas maiores de 18 anos cujo comportamento não é compatível com a idade? São chamadas de adultescentes. E os negacionistas que se recusam a cumprir medidas sanitárias para evitar a propagação do coronavírus? São conhecidos como covidiotas. E os profissionais do jornalismo que tratam a notícia como espetáculo? Esses são os shownalistas. O educador de métodos antiquados que recusa novidades recebeu o maldoso apelido de professauro. Para o estudante que ganha pouco e rala muito no estágio criou-se o infame vocábulo escraviário. O fanático que fala de religião o tempo todo foi batizado com o jocoso nome de crentelho. E para criticar um texto
pequeno e chato difundiu-se o debochado termo textículo, que, espero, não seja usado para descrever essa crônica.
Há mais palavras aglutinadas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã morfologia. Aquele cafezinho fraco, com muita água e pouco pó, o que é? Uma bebida sem graça: chafé. Discurso de político acompanhado de apresentação musical, é o que? É um evento duplo: showmício. O cara que é mais que namorado mas não é marido, como se chama? Juntam-se as escovas de dente e os nomes: namorido. E o comércio que vende mercadorias em grandes e pequenas quantidades? Eis um bom negócio: atacarejo. Meio pedra, meio tijolo, tudo junto e misturado.
Os cidadãos que vivem nas áreas fronteiriças entre o Paraguai e o Brasil, com um pé lá e outro cá, são conhecidos como brasiguaios, e até o dialeto falado por eles é a mescla de dois idiomas: o portunhol. A propósito, dentro no nosso país também existem pessoas identificadas com dois estados: os paranaúchos, os mineiroxabas, os pernambaianos... Misturar é coisa bem brasileira. Num território com tantas regiões, paixões e agremiações, não duvido que existam atleticorintianos, botafozeirenses ou flamengremistas.
Por falar em futebol, quando um jogador passou a cobrar o arremesso lateral próximo à marca de escanteio com força suficiente para fazer a bola chegar na área do time adversário, surgiu o latereio, um tiro de canto executado com as mãos. Outros jogadores, ao praticar vôlei na praia sem tocar a bola com os braços, inventaram o futevôlei, uma rara junção de dois esportes. A combinação de skate com tênis, peteca com capoeira ou boliche com xadrez poderia até render palavras curiosas, mas imagino que a prática dessas atividades conjuntas não deve ser divertida.
O cruzamento de gêneros musicais também não costuma gerar resultados agradáveis, exemplo disso é o desnecessário funknejo. Tomara que ninguém se atreva a tocar forró com rock, rap com pagode e frevo com vanerão. Melhor deixar cada ritmo com a sua batida. Já a mistura de dois alimentos pode render um sabor apetitoso. Se você ainda não comeu macarronese, recomendo.
Depois da refeição, é bom apreciar um tablete de banacaxi, uma fatia de chocotone ou um simples sacolé. Antes da refeição, uma dose de aperitivo elaborado a partir da destilação de grãos e cana: a whiskachaça. A bebida ainda não existe, mas já inventei o nome dela. Se algum dono de destilaria fabricar esse drinque, peço que me dê os créditos e um gole para eu provar.
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