3° LUGAR – CRÔNICA – PROSA NACIONAL – VII Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"

Saudades do Brejal


Júnio Liberato
Vinte Alqueires/MG

De pouquíssimas vivências me recordo com tanto esmero e carinho quanto estas que irei relatar algumas linhas abaixo, afinal, a vida sempre surpreende atentos e despercebidos com fatos e contra fatos, rendendo desta forma, temas variados para histórias diversas. Nunca se sabe qual o momento que precederá uma memória, ou a intensidade da emoção que sucederá um reencontro com as lembranças, todavia, o que se sabe (ou acha que se sabe) até então, ainda é muito pouco comparado ao que pode ser sentido na quietude de um abraço, ou de olhos fechados no aconchegante calor de um beijo molhado. Muitas palavras e desabafos compõem uma fria lágrima que escorre rosto afora no silêncio velado da partida ou na comovente paz da chegada; estas emoções, quando boas, são pertences que não tem preço, as memórias são como itens importantes que trazemos em nossa bagagem levando-as para onde quer que vamos. Foi num destes momentos de particularidade que me recordei daquelas noites frias do mês de junho, onde a lua reinava no céu rodeada de estrelas e constelações; e os grilos, que não sei bem se por prazer ou por confusão, ainda permaneciam cricrilando até altas horas da madrugada e proviam a trilha sonora que emanava por todo quintal que se iluminava por completo sob aquela luz pálida do luar, e as flores que já eram lindas, ficavam ainda mais ao bailarem numa espécie de bolero bem ensaiado quando sopradas pelo vento que vira e mexe assobiava noite adentro, dando movimento também às folhas das bananeiras, dos inhames, e das demais plantas e hortaliças que rodeavam o quintal.

Coisa que me deixava às vezes meio assombrado, era o cantar do galo que de súbito varava a madrugada nos despertando do sono profundo. Logo, uma vez subitamente acordado, automaticamente lançando de lado os cobertores, levantava ligeiro como já era de meu costume, para não me deixar intimidar pelo frio, e dando de cara com um breu total, instintivamente levo a mão em direção ao interruptor buscando trazer luz ao quarto escuro; quando enfim consigo espantar as trevas, confiro o velho relógio estático sobre a cômoda e me desaponto ao descobrir que ainda é noite, e que o sol está bem longe de nascer. Fato é que cresci regado a ditos populares e mitos de todos os tipos que

adentraram minha mente gerando assim uma certa crença na veracidade de tais devaneios, perpetuando um medo que percorria todo meu espinhaço. Recordava-me que certa vez minha avó havia dito que quando o galo cantava às altas horas da noite era sinal de morte, de que alguém havia morrido, e o galo, por “pressentir” a morte deste indivíduo cantava em alto e bom som. Bom, hoje eu vejo que isto não tem fundamento algum, mas naquela ocasião este era um dos episódios responsáveis por provocar medo, arrepios e até tirar o sono.

Sempre fui uma criança medrosa, e até ver o meu primeiro defunto, muitos mitos sobre a morte me foram contados. Várias invenções como esta incorporaram a morte no linguajar popular em que fui criado, entretanto, um dos mais célebres é o do gavião caon caon que quando danava emitir seu típico canto agourento e melancólico no alto de uma galha seca do pasto, já alarmava os fofoqueiros de prontidão, pois se cria ser aquele um sinal de que ele estava rogando uma praga de morte para o morador da casa mais próxima, ou de alguém que residia naquela região. Logo, todos imediatamente verificavam sua “lista particular da enfermaria” em busca de quais eram os atuais doentes, acamados ou internados do lugar, e logo concluíam com ar de frieza: “é fulano que vai morrer, ele tá doente faz muito tempo!”. Bom, se a morte vinha mesmo fazendo uso da pobre ave como seu porta-voz anunciando a sua chegada eu não sei, porque mitos são mitos, e com todo respeito a quem crê, não é todo dia que coincidências acontecem; entretanto, se por um acaso a morte vinha, não necessariamente era em resgate ao pobre doente que sofria em seu leito de dor, às vezes era alguém acima de qualquer suspeita que morria para surpresa de todos, talvez fosse um recado da morte deixando claro de uma vez por todas que para morrer não conta idade ou estado de saúde, basta estar vivo para ser contemplado.

Dentre todas estas recordações marcantes da época de infância, a que mais se destaca diz respeito aos anfíbios; criaturas tão fascinantes que provam ser realmente milagroso o evento da vida pelos mais variados ciclos que passam até chegarem à fase adulta. Bem, deixando de lado os detalhes biográficos destes, o que de fato me remeteu a tais lembranças é que hoje à tarde durante a minha costumeira caminhada, andando a passos lentos próximo a um pequeno brejo situado há alguns quilômetros da minha casa, eis que ouço um som familiar a me despertar recordações tão agradáveis de tempos passados numa infância feliz que tive. Fazia tempo que não testemunhava esse espetáculo maravilhoso que a natureza em sua perfeição me presenteava sem cobrar nada em troca, o mínimo que eu podia fazer como forma de agradecimento era parar ali, me sentar num canto qualquer e me tornar telespectador daquela verdadeira orquestra que os sapos, como belos maestros do brejo e exímios músicos do mundo pantanoso versejavam de modo sincronizado através dos mais variados coaxares em tons maiores e menores. Ali percebi que de asqueroso e nojento de nada tinha aquele pobre ser do mundo anfíbio, já era por si só o príncipe dos brejos, declamando em prosa e verso através do som de suas gargantas afinadas, sem que para isso necessitassem de beijos delicados de uma princesa qualquer para se transformar, pois, diga-se de passagem, as rãs e pererecas são as verdadeiras formosuras do lodaçal. Meu Deus, que saudades do brejal!

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